Fig. 1 – Vista aérea da praia das Maçãs, Alto da Vigia e praia Pequena (ou da Vigia).
O Alto da Vigia é um pequeno outeiro que fica situado junto à praia das Maçãs, na margem esquerda da desembocadura do rio de Colares, curso de água que nasce a c. 14 km da sua foz, estando actualmente reduzido à condição de ribeira[1]. Em épocas passadas, um esteiro de mar invadia esta área permitindo a navegabilidade do vale de Colares, o acesso naval ao interior do território e ao porto local[2].
Em 2008, durante intervenções arqueológicas realizadas no Alto da Vigia que visavam averiguar a existência do santuário romano consagrado ao Sol, à Lua e ao Oceano que se sabia ter existido no litoral de Sintra, foram detectados importantes vestígios de diferentes cronologias, inicialmente associados a uma vigia[3], porquanto parte da sua estrutura ainda estava visível à superfície[4]. O decorrer dos trabalhos tem permitido confirmar que foi neste local que os romanos tiveram o dito santuário. No entanto, a grande surpresa arqueológica esteve na detecção parcial de estruturas muçulmanas que os arqueólogos locais têm vindo a interpretar como sendo pertencentes a um ribat[5].
Fig. 2 – Mihrab presente numa das salas da edificação muçulmana. Fotografia: Marco Oliveira Borges (2016)
Os trabalhos arqueológicos ainda decorrem. Até ao momento, comprova-se a presença romana nesse sítio desde o século I d.C., altura em que terá sido fundado o famoso santuário consagrado ao Sol Eterno, à Lua e ao Oceano. A julgar pelos testemunhos epigráficos recolhidos nos últimos anos, terá sido muito provavelmente ainda na primeira metade do século I d.C., talvez durante o imperialato de Tibério[6]. Este espaço de culto, a dada altura, foi “integrado no âmbito do Culto Imperial, sendo os votos expressos – designadamente pela saúde do Imperador e eternidade do Império – colocados apenas por governadores da Lusitânia e legados imperiais, e não por devotos particulares, ou mesmo pelo senado de Olisipo, município em cujo território se localizava o santuário”[7].
Fig. 3 – Outro pormenor da mesma edificação, observando-se melhor uma ara romana que foi usada como elemento pétreo na sua construção. Fotografia: Marco Oliveira Borges (2016)
A alegada representação do santuário, que vinha indicado em epígrafes votivas[8] e que chegou a ser referido como podendo integrar um vicus local[9], viria a ser desenhada e descrita em texto corrido numa obra da autoria de Francisco de Holanda, publicada em 1571[10], se bem que a sua visita ao local tenha sido por volta de 1540 ou 1541[11]. Aquilo que Holanda apresenta no seu esboço não é propriamente um edifício, mas sim um alinhamento circular composto por 16 aras ou plintos, ainda que suscitando dúvidas[12] quanto à real configuração e até à sua existência. Quando Valentim Fernandes visitou o Alto da Vigia, em Agosto de 1505, no âmbito da recente descoberta de elementos arquitectónicos romanos, não referiu nenhum edifício naquele formato, somente a descoberta de três aras soterradas. Eis o que o humanista indicou ter sido encontrado nesse local:
“No ano do nascimento de Cristo de 1505, no dia 9 de Agosto, reinando D. Manuel, excelentíssimo rei de Portugal, quási no décimo ano do seu reinado, nas terras extremas dos confins da Espanha, para o lado do ocidente, na extremidade do promontório da Lua (Serra de Sintra) a que o vulgo chama Roca de Sintra [Cabo da Roca] à beira da praia do oceano, inesperadamente foram encontradas, debaixo de terra, três colunas de pedra, de forma quadrada, tendo gravados, desde tempos antigos, alguns caracteres romanos apenas em uma das faces, cuja base, mudada a ordem natural, se elevava como capitel e cujo capitel vimos fixado propositadamente, ao que parecia, como se fosse a base. Arrancadas a ferro e com cuidado, dentre os tijolos e pedras duras com que se fixavam por baixo as admiráveis colunas cima referidas, então notámos perfeitamente em uma delas, já voltada direitamente, estas figuras seguintes, não nos sendo possível decifrar com clareza as letras das outras porque, com a antiguidade do tempo e o desgaste do mar e das chuvas, estavam quási apagadas”[13].
Valentim Fernandes prossegue a sua descrição fornecendo a respectiva inscrição latina de uma das aras, se bem que dizendo que a leitura fora realizada pelo supremo secretário do rei, que, na presença do próprio D. Manuel I, fez o melhor que conseguiu para decifrá-la[14].
Em que área exacta do Alto da Vigia foram descobertos os elementos arquitectónicos romanos referidos por Valentim Fernandes? As três aras epigrafadas ali descobertas, que vieram a ser reaproveitadas na construção do suposto ribat[15], terão sido detectadas num espaço um pouco mais a Sul daquele que é indicado no esboço de Holanda. Ou seja, no sítio que desde 2008 está a ser alvo de intervenções arqueológicas, tendo a descoberta de 1505 coincidido com as obras de construção da vigia[16] acima referida ou apenas com trabalhos de reparação/reformulação após uma possível destruição causada pelos sismos que terão ocorrido em 1504-1505. Estes sismos terão provocado estragos na torre defensiva que D. João II mandou construir em Cascais, por volta de 1494, e nas muralhas medievais da vila, pelo que poderá muito bem ter acontecido o mesmo em edificações da área costeira de Sintra. Terá sido neste sentido que o monarca ordenou que se reunissem meios monetários para que essas estruturas cascalenses entrassem em reparação, coincidindo assim com a altura das informações escritas por Valentim Fernandes, sendo que o documento que o comprova é de 12 de Agosto de 1505[17], três dias depois do achado no Alto da Vigia. Outros sismos ocorridos em anos posteriores, 1512, 1527, 1528 e 1531[18], poderão ter levado a estragos na estrutura do Alto da Vigia e a consequentes reparos que tenham implicado reformulações e alterações.
Fig. 4 – Esboço circular de Francisco de Holanda.
Está ainda por demonstrar arqueologicamente se o esboço de Francisco de Holanda era fidedigno e se, assim sendo, não teria resultado de uma elaboração circular quinhentista posterior à visita de Valentim Fernandes ao Alto da Vigia, inserindo-se no âmbito dos humanistas tentarem recuperar o passado clássico, podendo a alegada representação do santuário ter ganho forma através de outros exemplos construtivos da Romanidade, se bem que com alguns elementos pétreos desse tempo[19]. Por outro lado, um santuário nem sempre pressuponha a existência de uma construção, podendo tratar-se apenas de um local sacralizado. Em todo o caso, estando-se perante um “marcador natural” utilizado para fins cultuais, este podia anteceder a construção de um templo[20]. Mas um santuário também podia ser entendido como um espaço delimitado[21] no qual se integrava um conjunto de edifícios[22], o que poderá ter sido o caso do Alto da Vigia.
Fig. 5 – Pormenor dos níveis estratigráficos observados no Alto da Vigia (2013). Fotografia: Marco Oliveira Borges
Para o caso específico deste sítio, a arqueologia tem vindo a comprovar a existência de estruturas romanas e de uma presença em larga diacronia com várias fases de ocupação, ainda que subsistindo diversas dúvidas sobre a sua caracterização. Evidências relacionadas com a fase alto-imperial romana estão documentadas através de um conjunto de estruturas negativas, algumas ulteriormente usadas na edificação de uma aedicula durante a segunda metade do século IV d.C.[23]. A dita aedicula, que se encontra em mau estado de preservação devido à remoção de elementos pétreos para a construção da estrutura islâmica[24], é um edifício que funcionava como pequeno templo[25]. Junto a esta estrutura, associada a materiais dos séculos III-IV e inícios do V d.C., foram recolhidas várias moedas e fragmentos de lucerna, ainda que em diferentes níveis estratigráficos e afectados por acções antrópicas[26]. Alguns elementos lapidares reutilizados na edificação da aedicula demonstram “que a continuidade em funcionamento do santuário em época tardia implicou a reformulação do espaço e das estruturas que o constituíam” [27]. Contudo, somente a continuidade dos trabalhos e a identificação e escavação de outros contextos romanos poderão ajudar a caracterizar a complexa dinâmica de ocupação romana deste local[28].
De qualquer forma, é muito provável que a área do Alto da Vigia e imediações, com larga extensão, tenham tido igualmente outras funcionalidades para além daquelas associadas ao santuário. Em tempos recuados, poderá mesmo ter havido uma extensão habitável. Essa situação seria facilitada por condições meteorológicas e oceanográficas mais aprazíveis à fixação costeira do que na actualidade, sendo na altura caracterizadas, nomeadamente, pela menor intensidade de vento e de agitação marítima. Isso deveu-se à fraca presença de upwelling no Ocidente ibérico[29], traduzindo-se esse factor, efectivamente, na parca intensidade da nortada e menor altura das ondas em relação ao que no presente se verifica[30], se bem que não se possa falar numa total ausência de vento[31]. Por outro lado, é possível que possa ter havido algum tipo de exploração económica romana nessa área, fosse ligada à terra ou ao mar. O mesmo se pode pensar nalgum tipo de edifício de apoio à navegação, talvez até um posto de controlo romano do acesso naval ao interior de Sintra. Recorde-se que em pleno século I d.C., altura em que os romanos terão construído o dito santuário, o esteiro de Colares era navegável, constituindo-se assim como um canal privilegiado de comunicação e ligação naval com o interior do território.
Marco Oliveira Borges | 2020
[1] Este artigo, embora com ligeiras modificações, foi adaptado de um estudo mais alargado: Marco Oliveira Borges, “Paisagem cultural marítima de Sintra: uma abordagem histórico-arqueológica”, in Pedro Fidalgo (coord.), Estudos de paisagem, vol. III, Lisboa, Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2017, pp. 250-255.
[2] Marco Oliveira Borges, “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I – Em torno do porto de Colares”, História. Revista da FLUP, IV: 2, 2012, pp. 116-128; idem, “Portos e ancoradouros do litoral de Sintra-Cascais. Da Antiguidade à Idade Moderna (I)”, Actas das Jornadas do Mar 2014. Mar: Uma onda de Progresso, Almada, Escola Naval, 2015, pp. 152-160; Maria Teresa Caetano, Colares, 2.ª ed., Sintra, Câmara Municipal de Sintra, 2016, pp. 13-21; Marco Oliveira Borges, “Navegação comercial fluvio-marítima e povoamento no Ocidente do Municipium Olisiponense: em torno dos rios Lizandro (Mafra) e Colares (Sintra)”, in Carmen Soares, José Luís Brandão e Pedro C. Carvalho (coords.), História Antiga: relações interdisciplinares. Paisagens urbanas, rurais e sociais, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, pp. 233-236.
[3] Até recentemente, foi interpretada pelos arqueólogos como sendo a torre de um facho (cf. Patrícia Jordão, Pedro Mendes e Alexandre Gonçalves, Alto da Vigia (Colares, Sintra). Relatório dos Trabalhos Arqueológicos [de 2008], 2009, pp. 3-4 e 17 [policopiado]; Alexandre Marques Gonçalves, Alto da Vigia (Colares, Sintra). Relatório dos trabalhos arqueológicos de 2013, 2014, pp. 11-12 [policopiado]).
[4] Idem, Escavação arqueológica do Alto da Vigia (Colares-Sintra): relatório da intervenção realizada em 2015, 2016, p. 17 [policopiado].
[6] Idem, ibidem, pp. 7 e 70. Anteriormente, a cronologia de fundação do santuário era apontada para o século II d.C. (cf. José Cardim Ribeiro, “Soli aeterno Lvnae. Cultos astrais em época pré-romana e romana na área de influência da serra de Sintra: ¿um caso complexo de sincretismo?”, Sintria, III-IV, 1995-2007, pp. 607 e 609; idem, “Soli aeterno Lvnae: o santuário”, in Religiões da Lvsitânia. Loquuntur Saxã, Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia, 2000, pp. 236-237).
[8] José Cardim Ribeiro, “Estudos histórico-epigráficos em torno da figura de L. Iulius Maelo Caudicus”, Sintria, III: I, 1982-1983, p. 166.
[9] Jorge de Alarcão, O domínio romano em Portugal, 4.ª ed., [Lisboa], Publicações Europa-América, 2002, p. 80; Inês Nadal de Sousa Byrne, “A rede viária da zona Oeste do Município Olisiponense (Mafra e Sintra)”, sep. de Al-Madan, II: 2, 1993, 46.
[10] “Outra memória de basas digna de lembrar e de imitar dos fiéis, faziam os antigos e infiéis, como eu vi, quando me o Infante Dom Luís, vosso tio que Deus tem, levou a mostrar a Serra de Sintra, mandando-me para isso chamar a Lisboa, quando vim de Itália. E vimos em a foz do rio de Colares, prezado em outro tempo dos Romanos, sobre um pequeno outeiro junto do mar Oceano, um círculo ao redor cheio de cipos e memórias dos imperadores de Roma que vieram àquele lugar; e cada um punha um cipo com seu letreiro a Sol Eterno e à Lua, a quem aquele promontório foi dos gentios dedicado. O que nós, espiritualmente mudando, podemos converter em cipos os embasamentos dos pés das Cruzes que digo, em louvor e memória do verdadeiro Sol de justiça, Jesus Cristo, e da verdadeira e sempre cheia de graça Santa Maria Nossa Senhora, como se pode considerar deste desenho” (Francisco D’Holanda, Da fábrica que falece à cidade de Lisboa, introd., notas e coment. de José da Felicidade Alves, [Lisboa], Livros Horizonte, 1984, fl. 24v e 25r).
[11] José Cardim Ribeiro, “Ad Antiquitates Vestigandas. Destinos e itinerários antiquaristas nos campos olisiponenses ocidentais desde inícios a meados do século XVI”, in Gerard González Germain (coord.), Peregrinationes ad inscriptiones colligendas. Estudios sobre epigrafía de tradición manuscrita, Bellaterra, Universitat Autònoma de Barcelona, 2016, pp. 142 e 158; Alexandre Gonçalves, op. cit., pp. 5-6.
[12] Jorge de Alarcão, “Colares”, in Dicionário de Arqueologia Portuguesa, Porto, Figueirinhas, 2012, p. 118.
[13] A. Fontoura da Costa, ed., Cartas das ilhas de Cabo Verde de Valentim Fernandes (1506-1508), Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1939, pp. 87-88.
[16] Idem, ibidem, p. 10; José Cardim Ribeiro, op. cit., p. 140.
[17] Cf. Jaime D’Oliveira Lobo e Silva, Anais da vila da Ericeira. Registo cronológico de acontecimentos referentes à mesma vila, desde 1229 até 1943, 3.ª ed., Mafra, Câmara Municipal de Mafra, 2002, p. 24; Marco Oliveira Borges, “A torre defensiva que D. João II mandou construir em Cascais: novos elementos para o seu estudo”, História. Revista da FLUP, IV: 5, 2015, pp. 106-108.
[19] José Cardim Ribeiro, crendo que tenha existido a representação circular referida por Holanda e apoiado em Sylvie Deswarte-Rosa, embora admitindo que o humanista português deva ter procedido à multiplicação de elementos para conferir maior monumentalidade ao sítio, refere que poderá ter havido inspiração a partir de um exemplo bracarense que se vê numa gravura de 1594. Com efeito, o modelo seguido no Alto da Vigia teria tido inspiração na representação circular dos doze marcos miliários romanos dispostos em torno da ermida de Santa Ana, embora um deles surja tombado, tendo a disposição desses elementos sido executada por ordens de D. Diogo de Sousa em 1506 (cf. Sylvie Deswarte-Rosa, “Le voyage épigraphique de Mariangelo Accursio au Portugal, printemps 1527”, in Maria Berbara e Karl A. E. Enenkel (eds.), Portuguese Humanism and the Republic of Letters, Leiden-Boston, Brill, 2012, p. 78; José Cardim Ribeiro, op. cit., p. 143, n. 8).
[20] Pedro Albuquerque, Tartessos: a construção de identidades através do registo escrito e da documentação arqueológica. Um estudo comparativo. Dissertação de Doutoramento, vol. I, Universidade de Lisboa, 2014, p. 154.
[21] A partir de elementos naturais como, por exemplo, uma montanha, uma fonte, uma árvore, um bosque, um cabo, etc. (idem, ibidem, p. 154).
[29] J. M. Alveirinho Dias, “A história da evolução do litoral português nos últimos vinte milénios”, in António Augusto Tavares, Maria José Ferro Tavares e João Luís Cardoso (eds.), Evolução geohistórica do litoral português e fenómenoscorrelativos. Geologia, História, Arqueologia e Climatologia. Actas do Colóquio. Lisboa, 3 e 4 de Junho de 2004, Lisboa, Universidade Aberta, 2004, pp. 165 e 167; António M. Monge Soares, “Identificação e caracterização de eventos climáticos na costa portuguesa, entre o final do Plistocénico e os tempos históricos – o papel do radiocarbono”, in Evolução geohistórica […], p. 194.
[30] Ana Margarida Arruda e Raquel Vilaça, “O Mar Grego-Romano antes de Gregos e Romanos: perspectivas a partir do Ocidente Peninsular”, in Francisco de Oliveira, Pascal Thiercy e Raquel Vilaça (coords.), Mar Greco-Latino, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006, p. 35.
[31] Cf. Avieno, Orla Marítima, Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica/Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 1992, pp. 22 e 47, n. 34.
Fig. 1 – Costa de Cascais com a indicação da Ponta do Salmodo. Fonte: Francisco Maria Pereira da Silva, Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa […], [1879?], (BNP).
Diversa cartografia dos séculos XIX-XX mostra que o topónimo “Ponta do Salmodo” está junto ao local em que foi edificado o forte e o farol de Santa Marta, ligeiramente a Sul da praia com o mesmo nome. Isso é visível, por exemplo, no mapa que acompanha este post, destacando-se o topónimo dentro de um rectângulo vermelho.
Fig. 2 – Farol Museu de Santa Marta. Fotografia: Marco Oliveira Borges.
No entanto, devido a uma imprecisão historiográfica com várias décadas, este topónimo tem vindo a ser erroneamente indicado como correspondendo ao sítio em que foi edificada a torre defensiva que D. João II mandou construir em Cascais (c. 1494). Embora tenhamos vindo a alertar, nos últimos anos, para esta imprecisão e diversos falsos factos históricos que persistem na história local[1], o assunto continua a ser erroneamente indicado ao público, tanto em livros recentes de História de Cascais[2] como no reinaugurado Museu da Vila.
Fig. 1 – Pormenor da vila e porto de Cascais presente na gravura publicada por Braun e Hogenberg, Civitates Orbis Terrarum, vol. I, 1572 (ICGC).
Embora durante muito tempo a historiografia tenha indicado, de uma forma geral, que o Restelo foi a sua primeira escala continental[1], Cristóvão Colombo (ou Colon) aportou em Cascais (1493) no decorrer da torna-viagem da primeira expedição feita ao serviço dos Reis Católicos[2]. Regressando das suas descobertas a Ocidente, Colombo partiu da ilha do Haiti na caravela Niña e em companhia da Pinta – que foi ter a Baiona –, seguindo em diagonal até à latitude dos Açores, no intuito de aproveitar os ventos favoráveis de Oeste. Depois de vários dias no mar daquele arquipélago, onde veio a ter problemas com os locais, nomeadamente em Santa Maria, Colombo largou de vez a 24 de Fevereiro.
A 3 de Março, já depois do pôr-do-sol e após sessenta milhas feitas, a Niña apanhou um turbilhão tão violento que arrancou todas as velas da caravela, colocando a tripulação em grande perigo. Daí em diante, seguiu “com os mastros nus” e sob forte tempestade, até que, finalmente, surgiram sinais de que se estava próximo de terra. Foi então que, “na falta de outro meio para navegar um pouco e apesar do grande perigo que havia de aguentar o mar”, Colombo mandou içar o papa-figos[3] do grande mastro “para ver se havia um porto ou qualquer outro lugar onde pudesse abrigar-se”[4].
Pela latitude a que Colombo se dirigia para a costa portuguesa, dois portos ficavam mais próximos: Ericeira e Cascais. Como o primeiro estava bastante exposto a temporais, era Cascais que oferecia um abrigo mais seguro. Este porto destacava-se no apoio à navegação e como refugio habitual de navios que pretendiam fugir a tempestades, funcionando ainda como anteporto oceânico de Lisboa, sendo que a entrada no Tejo não era feita de forma directa, esperando-se no porto cascalense por maré e vento favorável para se entrar na barra. Era também em Cascais que residiam os pilotos práticos que conheciam bem as condicionantes geográficas desta área e que ajudavam a colocar os navios pelos perigosos canais de navegação do Tejo, tentando evitar encalhes e naufrágios. Procurando um porto de abrigo, decerto que Colombo já teria a ideia definida de se refugiar em Cascais, local de apoio a toda a navegação com destino a Lisboa e também de auxílio frequente aos navios que circulavam entre o Mediterrâneo e o Norte da Europa[5].
Fig. 2 – “Réplica” da Niña. Caravela que fez parte da armada de 3 navios que integrou a 1.ª viagem de Cristóvão Colombo ao serviço de Castela.Fig. 3 – Rotas de ida e volta seguidas por Cristóvão Colombo nas duas primeiras viagens ao serviço de Castela. Fonte: Jesus Varela Marcos e M.ª Montserrat León Guerrero, El Itinerario de Cristóbal Colón (1451-1506), Valladolid, Diputacíón de Valladolid et al., 2003.
A 4 de Março, ainda sob forte temporal, a Niña fez a aproximação à costa portuguesa junto ao cabo da Roca, tendo aportado em Cascais, onde esteve algumas horas:
“Ao amanhecer, o almirante reconheceu a terra. Era o rochedo de Sintra que fica muito perto do rio de Lisboa, no qual decidiu entrar porque não podia fazer outra coisa, tão terrível era a tempestade que se abatia sobre a cidade de Cascais, situada na embocadura. Os da cidade, disse, ficaram toda essa tarde em oração por eles, e, quando em seguida ficaram no porto, toda a gente veio vê-los, maravilhados por terem escapado. Foi assim que à terceira hora o almirante passou para o Restelo, no interior do rio de Lisboa, onde a gente do mar lhe disse que nunca se tivera um Inverno tão fértil em tempestades, que vinte e cinco navios se tinham perdido nas Flandres e que outros estavam lá há quatro meses sem poderem sair”[6].
Conforme se pode ver pelo trecho citado, antes de demandar a barra do Tejo e chegar ao Restelo, a Niña – pilotada por Sancho Ruíz de Gama e Pedro Alonso Niño – teve de se abrigar em Cascais. Contrariamente ao que por vezes é dito[7], Cristóvão Colombo e as outras pessoas que vinham a bordo da Niña, ao chegarem a Cascais, não terão visto a torre defensiva que D. João II mandou construir naquele porto, pois essa só terá começado a ser edificada no ano seguinte[8].
Depois de passada a tempestade e de feitos os devidos consertos na aparelhagem da caravela, em vez rumar a Castela, onde se tinha organizado a expedição, a Niña veio, horas mais tarde, a entrar no Tejo, acabando por ancorar no Restelo. Poucos dias depois deu-se o célebre encontro entre Colombo e D. João II em Vale do Paraíso, localidade situada a nove léguas de Lisboa.
O que se torna mais problemático é tentar saber se Colombo, ao dirigir-se a Cascais e, posteriormente ao Restelo, ia apenas com a intenção de procurar abrigo ou também de falar pessoalmente com D. João II, como veio a acontecer. Recorde-se que Colombo vinha de uma primeira expedição marítima ao serviço dos Reis Católicos. Seja como for, qualquer um dos motivos indicados colocava Colombo na rota de Cascais.
Marco Oliveira Borges | 2019
[1] Cf., e.g., Damião PERES, História dos Descobrimentos Portugueses, 4.ª ed., Porto, Vertente, 1992, p. 271; Luís Adão da FONSECA, D. João II, [Lisboa], Círculo de Leitores, 2005, p. 120.
[2] Este pequeno artigo de divulgação histórica, ainda que tendo sido sujeito a pequenas modificações, foi retirado de um estudo mais alargado: Marco Oliveira BORGES, O porto de Cascais durante a Expansão Quatrocentista. Apoio à navegação e defesa costeira. Dissertação de Mestrado em História Marítima, Universidade de Lisboa, 2012, pp. 74-76. Voltaremos à passagem de Cristóvão Colombo por Cascais num outro lugar.
[3] Sobre os diferentes tipos de papa-figos, cf. Humberto LEITÃO, “Papafigos”, in Dicionário da Linguagem de Marinha Antiga e Actual. Com a colab. do Comandante José Vicente Lopes, 2.ª ed., Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos da Junta de Investigações Cientificas do Ultramar, 1974, p. 392; António Marques ESPARTEIRO, “Papa-figos”, in Dicionário Ilustrado de Marinha, 2.ª ed., rev. e actualizada pelo Comandante J. Martins e Silva, Lisboa, Clássica Editora, 2001, p. 409. O papa-figos de correr, por exemplo, era uma vela de menor superfície que as usuais, sendo usada especialmente em casos de mau tempo.
[4] Cristóvão COLOMBO, A Descoberta da América. Diário de bordo da 1.ª viagem, 1492-1493. Pref. de Luís de Albuquerque, Mem Martins, Publicações Europa América, [1990], p. 184.
[5] Sobre este assunto, cf. Marco Oliveira BORGES, op. cit., pp. 61-81, 102-113 e passim.
[7] Carlos CALADO, “Cascais, abrigo de Cristóvão Colon”, in Arquivo de Cascais. História, Memória, Património, 14 (2015), p. 35.
[8] Marco Oliveira BORGES, “A torre defensiva que D. João II mandou construir em Cascais: novos elementos para o seu estudo”, in História. Revista da FLUP, IV: 5 (2015), pp. 104-106 e 114. Em breve, na nossa dissertação de Doutoramento, iremos apresentar novos dados sobre a torre de Cascais.
Por mais que os trabalhos de investigação que se vão publicando tragam novidades e permitam dissipar certos mitos e erros historiográficos, o nosso património cultural, por vezes, continua envolto em falsos factos históricos. No que diz respeito à história de Cascais, um dos casos mais controversos envolve a torre que D. João II mandou construir nesta vila[2]. Por outras palavras, a polémica está relacionada com o que se tem vindo a escrever sobre esta fortificação e a omitir nas últimas décadas. Decidimos elaborar este artigo de esclarecimento, de reflexão e divulgação depois de constatarmos, mais uma vez, desta feita na placa informativa recentemente colocada junto à fortaleza de Nossa Senhora da Luz (fig. 10), que se continuam a ignorar os recentes avanços da investigação e a divulgar falsos factos históricos perante um destinatário muito específico: o grande público.
Com possível invocação a Santo António[3], a referida torre foi edificada num esporão rochoso no extremo Sul da vila de Cascais, o qual tem vindo a ser erroneamente identificado como sendo a Ponta do Salmodo. No entanto, este último ponto geográfico, conforme comprova diversa cartografia dos séculos XIX-XX (fig. 2), corresponde a outro lugar, ao sítio onde se encontra edificado o farol de Santa Marta[4].
Fig. 2 – Pormenor da costa de Cascais. Plano hydrographico desde Cabo da Roca até Cezimbra […], 1882 (BNP).
Em 1873, na sua obra pioneira sobre Cascais, Borges Barruncho referia a existência, “no antigo revelim da fortaleza”, de “umas armas do reino”. Tendo sido picadas pela acção das forças francesas, aquando da invasão de Portugal, nessas armas podia-se ler, ainda que com alguma dificuldade, D. João II[5]. Neste sentido, o autor deduziu que ali teria existido uma antiga fortificação joanina. Contudo, por essa altura, desconhecia exactamente do que se tratava, parecendo não conhecer qualquer alusão documental à torre de Cascais, algo que não escaparia à historiografia posterior[6]. Em todo o caso, teria Borges Barruncho visto as armas do tempo de D. João II ou as da época de D. João IIII (IV) que se encontram presentes no espaço da Cidadela junto à fortaleza de Nossa Senhora da Luz e que também se encontram picadas? Poderá ter havido uma imprecisão do autor, mas também poderá ser que, de facto, a inscrição fosse mesmo alusiva a D. João II. Neste cenário, teria desaparecido algures posteriormente a 1873, tendo sido deslocada juntamente com a pedra onde estavam gravadas as armas do Reino, destruída ou tapada durante algum tipo de obra.
Apesar das dúvidas que se tinham quanto à torre de Cascais, se tinha ou não sido destruída com a construção da fortaleza de Nossa Senhora da Luz, na década de 1960 Manuel A. P. Lourenço deu a conhecer ao público que esta estrutura estava integrada no interior da dita fortaleza, a qual o investigador designava por “revelim”. Não obstante as importantes indagações de Borges Barruncho, Manuel A. P. Lourenço foi o primeiro investigador que se dedicou ao estudo pormenorizado destas estruturas, chegando mesmo a explorar o interior da fortaleza de forma detalhada[7], se bem que não na sua totalidade. Na verdade, desde 1940 que Manuel A. P. Lourenço frequentava com relativa assiduidade a velha fortaleza[8], ainda que só mais tardiamente é que tenha percebido que a torre estava envolvida por essa fortificação, chegando a afirmar, em 1955, que a sua localização era desconhecida, pensando ter sido construída mais para Norte. Embora desde 1965 – pelo menos – que se tivesse conhecimento público da subsistência da torre de Cascais no interior da fortaleza de Nossa Senhora da Luz, apenas em 1987 foram iniciadas escavações no seu interior[9].
Fig. 3 – Planta da fortaleza de Nossa Senhora da Luz. Note-se a presença da torre de Cascais (Manuel A. P. Lourenço, 1965).
Ainda no que diz respeito às investigações de Manuel A. P. Lourenço, o autor chegou mesmo a elaborar plantas envolvendo as duas fortificações, explicando igualmente em texto corrido os pormenores que conseguiu observar. Assim, identificou a torre joanina como estando dentro da fortaleza, compartimentos da fortaleza devolutos e de acesso emparedado, uma área não visitável e cuja compartimentação, na altura, era desconhecida, compartimentos com grandes quantidades de entulho, a cisterna da fortaleza (debaixo do pavimento do pátio interior)[10], tendo ainda identificado duas mós, um forno e outros elementos e aspectos (figs. 3 e 4). Outro dado importante que deve ser salientado deve-se ao facto de, já em 1966, Manuel A. P. Lourenço ter pensado que, em vez de espaços mortos e fechados ao público, aqueles compartimentos poderiam “ser adaptados como atracção turística”. Neste sentido, Manuel A. P. Lourenço foi o primeiro autor a sugerir publicamente a ideia de futura musealização daquele espaço[11].
Fig. 4 – Planta da fortaleza de Nossa Senhora da Luz envolvendo a torre de Cascais (Manuel A. P. Lourenço, 1966).Fig. 5 – Vista aérea da fortaleza de Nossa Senhora da Luz. A vermelho assinala-se uma parte da estrutura da antiga torre.
A partir de finais da década de 1980 e até aos nossos dias, com o desenrolar das investigações de Margarida de Magalhães Ramalho e das equipas que trabalharam nas escavações arqueológicas[12], avançou-se bastante no conhecimento sobre a dita torre e fortaleza. Para além disso, a partir de 1990 começaram a ganhar forma ideias no que diz respeito à preparação da musealização da fortaleza[13]. Muito recentemente, no âmbito das comemorações dos 650 anos da elevação de Cascais a vila, deu-se mesmo a abertura oficial da fortaleza e da torre ao público. Anteriormente, em Dezembro de 2012, havia passado na RTP2 um documentário sobre estas duas fortificações[14].
Em relação à ideia de musealização daquele espaço, já tínhamos visto que, na década de 1960, Manuel A. P. Lourenço havia sugerido isso mesmo, embora os contributos e o nome do investigador tenham sido incompreensivelmente “esquecidos” com o decorrer do tempo. Quantas vezes foram citados os seus estudos de 1965-1966 entre a década de 1980 e 2017? É verdade que, no passado, autores como Raquel Henriques da Silva, Joaquim Boiça e Pedro de Aboim Inglez Cid assinalaram que Manuel A. P. Lourenço havia descoberto que a torre ainda estava de pé, mas esse facto não teve o devido impacto no âmbito do estudo das fortificações em análise. Muito pelo contrário. Basta ler os estudos de Margarida de Magalhães Ramalho para se chegar a tal conclusão, ainda que a autora tenha chegado a referir, de forma muito sumária, que Manuel A. P. Lourenço havia entrado nos baluartes Norte e Sul da fortaleza de Nossa Senhora da Luz (1991) e identificado o alçado Norte e parte do alçado Sul da torre (1989).
Nem mesmo no referido documentário existe qualquer menção aos trabalhos de Manuel A. P. Lourenço, isto quando o mesmo havia explorado compartimentos interiores da fortaleza de Nossa Senhora da Luz e compreendido – duas décadas antes do início das investigações de Margarida de Magalhães Ramalho – que a torre de Cascais estava no seu interior. Sendo um documentário onde são omitidas as investigações de Manuel A. P. Lourenço e os pormenores que teve oportunidade de observar e indicar[15], as atenções acabam por girar em torno de Margarida de Magalhães Ramalho, passando a ideia de que descobriu o sítio e de que foi pioneira no seu estudo. Apesar do desconhecimento geral sobre a verdadeira profundidade deste assunto e, por outro lado, de alguma resistência a nível local, é evidente que não se pode continuar a atribuir a descoberta da torre e o pioneirismo do estudo destas fortificações a Margarida de Magalhães Ramalho.
Pouco tempo depois do documentário ter sido exibido na RTP2, o qual rapidamente começou a ser comentado em diferentes grupos da rede social Facebook relacionados com Cascais, Guilherme Cardoso publicou um post no grupo O Pessoal da Linha Vem à Rede a alertar para o facto de que o interior daquela fortaleza já era conhecido antes da década de 1980 e que haviam sido publicados estudos por Manuel A. P. Lourenço. Aliás, nesse post estavam incluídas as plantas da fortaleza de Nossa Senhora da Luz presentes nos artigos daquele investigador local. Grande conhecedor do património histórico-arqueológico cascalense, Guilherme Cardoso, em 1965, teve mesmo a oportunidade de visitar o interior daquela fortaleza juntamente com seu pai, este último enquanto repórter fotográfico do Jornal da Costa do Sol. M. A. Pereira Lourenço foi o investigador local que guiou a visita[16].
Por tudo isto, e por outros aspectos que veremos mais adiante, urgia uma revisão de conhecimento sobre muito do que tinha vindo a ser dito nas últimas décadas acerca das referidas fortificações. Assim, sobretudo num artigo publicado em 2015, sujeito a avaliação científica por pares, tivemos a oportunidade de alertar para as diversas questões controversas relacionadas com a torre de Cascais e o seu estudo. Depois da nossa chamada de atenção nesse artigo, de termos começado a divulgar os estudos de Manuel A. P. Lourenço através da página Cascais durante a Idade Média[17], bem como de uma conversa com Margarida de Magalhães Ramalho, a autora teve a oportunidade de dar um primeiro passo no sentido de rectificar este assunto perante o público. A ocorrência teve lugar durante uma comunicação apresentada no Centro Cultural de Cascais, no âmbito do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, especialmente dedicado à fortaleza de Nossa Senhora da Luz (23 de Abril de 2016).
No final das comunicações da parte da manhã, já durante a sessão de perguntas e respostas, tivemos a oportunidade de intervir fazendo algumas observações. Uma delas dizia respeito ao facto de que no painel cronológico presente na fortaleza de Nossa Senhora da Luz, e em que estão escritos vários momentos da história das duas fortificações e da sua investigação, não havia uma única alusão a Manuel A. P. Lourenço (fig. 7). Sendo esta uma grave lacuna, que omite ao público visitante a verdadeira cronologia inicial da história da investigação dessas estruturas, era de prever que esse aspecto – para não falar de outros – fosse rectificado nos tempos seguintes. Porém, em Julho de 2016, com uma nova abertura da fortaleza ao público, constatámos que o painel se mantinha na mesma, não havendo qualquer rectificação produzida por parte do núcleo de Património Cultural da Câmara Municipal de Cascais.
Fig. 6 – Painel cronológico presente na fortaleza de Nossa Senhora da Luz.Fig. 7 – Idem.
Esclarecido este primeiro aspecto relacionado com a primazia do estudo da torre de Cascais e da fortaleza, passemos a outros igualmente controversos. Muito embora se saiba que esta torre foi construída algures no reinado de D. João II, não existe qualquer documento que revele que a edificação teve início em 1488[18], data que teimosamente tem figurado em livros, exposições, etc., quando se alude a esta estrutura tardo-medieval. Esta imprecisão resulta de uma confusão e leitura abusiva das informações fornecidas por Rui de Pina e Garcia de Resende. Para elucidar os leitores, eis os trechos que têm sido mal interpretados:
“Estando el Rey [D. João II] em muyta paz, e amizade com os Reys de Castella, como muyto prudente Principe fazia sempre, e ordenaua suas cousas antes de auer necessidade dellas. E no começo do anno de mil e quatrocentos e oitenta e oito, com muyto cuidado, e diligencia mandou prouer, fortalecer, e repartir todalas Cidades, Villas, e Castellos dos estremos de seus Reynos, assi no repairo, e defensam dos baluartes, cauas, muros, e torres, como em artilharias, poluora, salitre, armas, almazens, e todallas outras cousas necessarias”[19].
Como se pode ver, não existe qualquer referência para a construção da torre de Cascais ocorrer em 1488, apesar da ideia do monarca poder ter sido coeva. É num trecho de Garcia de Resende (Crónica de D. João II e Miscelânea), que corresponderá a eventos ocorridos em 1494, ainda que se saiba que alguns tenham ocorrido antes, que surge a menção à dita torre:
“E assi mandou fazer entam a torre de Cascaes com sua caua, com tanta e tam grossa artelharia, que defendia o porto; e assi outra torre, e baluarte de Caparica defronte de Belém, em que estaua muyta e grande artilharia, e tinha ordenado de fazer hua forte fortaleza, onde ora está a fermosa torre de Belem, que el Rey dom Manoel, que santa gloria haja, mandou fazer, pera que a fortaleza de hua parte, e a torre da outra tolhessem a entrada do rio”[20].
De facto, 1494 é a data mais apontada pelos investigadores para o início da construção da torre de Cascais[21]. Depois de ter estudado o assunto, Pedro de Aboim Inglez Cid, embora salientando que o trecho de Garcia de Resende sobre as fortificações é o que se segue à descrição da experiência de artilharia feita em caravelas (Setúbal) e que “o critério de agrupar assuntos conexos num único capítulo não implica que o exposto tenha ocorrido estritamente na mesma época”, é levado a admitir que das fortificações referidas por Garcia de Resende apenas a construção da torre de Cascais terá sido coeva dos testes balísticos ordenados por D. João II, ou seja, 1494[22]. Recentemente, Joaquim Boiça referiu mesmo que, pese embora se tenha mandado erguer a torre em 1488, o que, como vimos, não se consegue comprovar documentalmente, as obras só teriam avançado em 1494[23].
É claro que se pode colocar a hipótese de se ter mandado construir a torre em 1488, no âmbito geral daquilo que se pretendia para a fortificação do Reino[24], mas isso terá de ser feito sob a forma de hipótese explicativa e não como sendo um dado garantido. Uma coisa é uma hipótese explicativa, outra é um facto histórico. Ainda assim, e conforme foi indicado, a data mais consensual para o início da construção da torre de Cascais é 1494[25].
Mais recentemente, em 2011 e 2013, Margarida de Magalhães Ramalho, investigadora que mais tempo tem dedicado ao estudo desta torre, partindo da ideia de que a sua construção terá arrancado em 1488, acrescentou que terá ocorrido até 1498. Para fundamentar a última data apontada a investigadora refere duas moedas deste período[26] encontradas na última escavação arqueológica realizada no interior da fortaleza de Nossa Senhora da Luz (2005). No entanto, esta referência a supostas moedas de 1498 trata-se de uma imprecisão[27], e que tem induzido em erro, até porque a primeira moeda portuguesa com data expressa de emissão no Reino surge apenas no reinado de D. Sebastião, sendo o “engenhoso” (1562)[28].
Em todo o caso, se fizermos um paralelo com o tempo de construção da torre de S. Sebastião de Caparica, que terá começado a ser construída em 1481 ou 1482 e que, por volta de 1485, poderia já ter a fase principal de obras finalizada[29], bem como com a torre de Belém, cuja construção terá decorrido entre 1514 e 1519[30], poderemos pensar numa cronologia de construção da torre de Cascais que ande à volta dos quatro anos (ou pouco mais). Tendo as obras muito provavelmente arrancado em 1494, por volta de 1498 ou 1499 a torre poderia já ter alguma ocupação, ainda que pudesse não estar totalmente finalizada. De maior importância para o estudo da torre de Cascais, e para fundamentar e reforçar a nossa argumentação, um documento de 1500 que tivemos oportunidade de dar a conhecer inicialmente na nossa tese de mestrado (2012) alude a um bombardeiro fixo naquela fortificação desde 1500[31], se bem que remeta para um mestre bombardeiro que já estaria de serviço na torre pelo menos desde 1499, podendo essa presença até remontar a 1498. São hipóteses bastante plausíveis[32].
Outro mito relacionado com a torre de Cascais diz respeito à ideia de que a construção desta estrutura esteve directamente relacionada com os ataques do corsário/pirata João Bretão na baía de Cascais (Setembro de 1484). Mais uma vez, não existe qualquer documento histórico que suporte tal ideia. A documentação conhecida alude apenas aos ataques de João Bretão, que até chegou a estar ao serviço de D. João II, e às medidas que a rainha D. Leonor tomou para que o salteador parasse com as suas actividades (fig. 8). É mais coerente pensar que o motivo da construção da torre tenha estado ligado a todo um conjunto de ataques ocorridos naquela área ao longo da década de 1480, e que revelaram a vulnerabilidade da navegação e evidentes fragilidades defensivas locais, parecendo mesmo haver uma estratégia bem definida por parte dos corsários franceses que actuavam nas imediações e em ligação com Lisboa[33].
Fig. 8 – Uma das cartas que revela a presença do corsário João Bretão em Cascais. 23 de Setembro de 1484 (AML, Chancelaria Régia, Livro 2º de D. João II, fls. 37-38v).
Sabe-se que a construção deste tipo de fortificações, junto ao mar, “destinava-se a evitar desembarques nos locais mais favoráveis e, segundo a capacidade de cada local, a servir de protecção aos ancoradouros das frotas que se oporiam aos navios atacantes. Podiam, dentro dos alcances da sua artilharia, evitar que o inimigo manobrasse nas suas proximidades, função que se foi tornando cada vez mais importante à medida que os alcances aumentavam e o recurso a munições especialmente destinadas ao combate naval ia sendo possível”[34].
No caso específico de Cascais, e não esquecendo também a sua importância enquanto atalaia do Tejo, o papel defensivo da torre cascalense seria o de impedir a aproximação e possível desembarque inimigo no centro portuário local, bem como de proteger os navios que seguiam para Lisboa (ou para outros lados) e que em Cascais irremediavelmente faziam escala, lançando ferro em frente à praia da Ribeira e imediações da fortificação joanina. É que, devido aos condicionalismos geográficos próprios desta área, a viagem para Lisboa e a necessária entrada na barra do Tejo nem sempre era feita de forma directa, sendo necessário aguardar por maré e ventos favoráveis ao largo de Cascais a fim de evitar os perigos da barra (nomeadamente os cachopos) e um possível naufrágio[35].
Importa, agora, aduzir um caso documentado que exemplifica parte das utilidades defensivas da torre de Cascais. Em finais de Julho de 1524 esteve iminente a utilização desta fortificação para o bombardeamento de uma frota do imperador Carlos V, sendo esta formada por 86 urcas e soldados de várias origens do Norte da Europa. A frota, tendo como destino a Andaluzia, havia feito escala no porto de Cascais para abastecimento. Como a “contrariedade dos tempos” não permitia navegar para Sul, os navios tiveram de ficar naquele porto durante mais de 15 dias, vindo a sua gente a causar vários problemas, situação que levou a clamores entre o povo da vila e arredores. Para resolver a situação, Nuno da Cunha, governador da Relação e vedor da Fazenda, foi enviado a Cascais com intérpretes flamengos e alemães que residiam em Lisboa, bem como com um português que sabia falar as suas línguas. Na verdade, os estrangeiros, enviados para falar com o almirante (holandês) e com os mestres das urcas, não eram propriamente intérpretes, mas sim os maiores representantes das casas comerciais flamengas e alemãs de Lisboa e cujas afinidades linguísticas eram requeridas para ajudar a desbloquear a situação. Acabariam por ser recebidos nos Paços de D. Pedro de Castro (senhor de Cascais e 3.º conde de Monsanto), onde Nuno da Cunha, depois de relembrar aos estrangeiros ali chamados a sua condição de vassalos do Imperador, o qual tinha boas relações com o rei de Portugal, ameaçou-os dizendo “que lhes faria todo o mall que podesse asy com a artilheria da torre” e que traria gente por terra caso os visados não parassem as suas acções[36].
Por esta informação não há dúvida de que o poder de fogo da artilharia da torre, nessa altura sob comando do mestre bombardeiro Simão de Paris[37], estava ao alcance das urcas, pelo menos das que estavam mais próximas das imediações da praia da Ribeira. É que, sendo uma frota constituída por 86 navios, naturalmente que a disposição dos mesmos se faria para o sentido nascente da vila, dadas as dimensões da praia e a necessidade de manter o centro portuário desbloqueado.
Fig. 9 – Conhecimento em que se declara que mestre Simão de Paris, bombardeiro da torre de “Quasquaes”, recebeu 15.000 reais por servir na dita vila em 1524 (ANTT, CC, pt. II, mç. 123, n.º 92).
Voltemos aos aspectos controversos sobre a torre. Na referida placa informativa colocada recentemente junto à fortaleza de Nossa Senhora da Luz, onde também é referido que D. João II mandou construir a dita torre em 1488, está escrito que Pêro Anes foi o autor dessa fortificação. Resultando tais informações – mais uma vez – de uma imprecisão, e não havendo qualquer tipo de comprovação documental, o que se sabe sobre este homem é que, em 1505, seria o responsável por certas obras de fortificação que estavam a ser realizadas na vila de Cascais. A informação foi dada a conhecer por Jaime D’Oliveira Lobo e Silva, ao sintetizar um documento que aludia ao lançamento de um imposto a algumas povoações situadas a Norte de Cascais para que contribuíssem nas despesas das referidas obras:
“[A] 12 de Agosto, … Pero Annes, homem das obras que El Rei tem em Cascais, apresenta à Câmara um regimento pelo qual o Rei ordena que os moradores das Vilas de Colares, Cheleiros, Mafra, Ericeira e reguengo da Carvoeira, concorram para as ditas obras, que, segundo parece, constavam de uma torre, muralhas e outras construções de fortificação”[38].
É muito provável que, por essa altura, a torre que D. João II havia mandado construir e a muralha medieval da vila estivessem em reparação. Sabendo-se que já estava em funcionamento desde 1499-1500, a torre de Cascais voltava a entrar em obras muito provavelmente devido a violentos tremores de terra que terão ocorrido entre 1504 e 1505[39] e que terão danificado as suas estruturas[40].
Em suma, que conclusões se podem tirar deste artigo? Face a todos os aspectos que foram sendo referidos, a divulgação histórica não se pode limitar a um processo de reprodução de ideias antigas e erradas, recorrendo à fórmula: “historiografia de historiografia”. Há que tentar ir directamente às fontes históricas/arqueológicas e confirmar o que está a ser dito. Questões incertas, que devem ser exploradas sob a forma de hipótese explicativa, não podem ser transmitidas como se fossem factos históricos. Todos nós erramos e estamos sujeitos a ser corrigidos. Ora, o grande problema surge quando se verifica a falta de rigor científico, quando não se faz uma actualização de conhecimentos, quando não há abertura para a discussão, para a novidade e para superar certos erros, o que, desse modo, impede o avanço do saber e a sua necessária renovação. Se assim for, o comum cascalense e o grande público serão erradamente informados sobre o nosso passado histórico!
Fig. 10 – Alguns turistas lêem as informações recentemente colocadas sobre a torre de Cascais e a fortaleza de Nossa Senhora da Luz.
Marco Oliveira Borges | 2017
[1] M. A. Pereira LOURENÇO, “O revelim da cidadela e a torre de Cascais II”, in Jornal da Costa do Sol, 55 (1965), p. 10. “Revelim” era o nome pelo qual o investigador designava a fortaleza de Nossa Senhora da Luz.
[3] Embora, por vezes, seja dado como garantido que a torre de Cascais teve esta invocação, a verdade é que esta questão ainda não está devidamente esclarecida (cf. Margarida de Magalhães RAMALHO, “Cascais em finais do século XVI: duas plantas inéditas”, in Arquivo de Cascais. Boletim Cultural do Município, 9 (1990), pp. 82-83; idem, “As fortificações marítimas do porto e da nobre vila de Cascais”, in Joaquim Boiça et al., As fortificações marítimas da costa de Cascais, Cascais, Quetzal, 2001, p. 28; idem, Fortificações marítimas, Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 2010, p. 25; idem, “A defesa de Cascais”, in Monumentos. Cidades. Património. Reabilitação, 31 (2011), p. 36; idem, “A defesa de Cascais. Do castelo medieval à construção da Cidadela”, in Isabel Cristina F. Fernandes (coord.), Fortificações e território na Península Ibérica e no Magreb (séculos VI a XVI), vol. II, Lisboa, Edições Colibri/Campo Arqueológico de Mértola, 2013, p. 640).
[5] “Ha no antigo revelim da fortaleza umas armas do reino, todas picadas pelos francezes da invasão de 1807, nas quaes apenas se póde ler, e com difficuldade – D. João II” (Pedro Lourenço de Seixas Borges BARRUNCHO, Apontamentos para a história da villa e concelho de Cascaes, Lisboa, Typographia Universal, 1873, pp. 81 e 109).
[6] Cf., por exemplo, Afonso do PAÇO e Fausto J. A. de FIGUEIREDO, “Esboço Arqueológico do Concelho de Cascais”, in Boletim do Museu-Biblioteca do Conde de Castro Guimarães, 1 (1943), p. 19.
[7] Cf. M. A. Pereira LOURENÇO, “O revelim da Cidadela e a torre de Cascais”, in Jornal da Costa do Sol, 53 (1965), p. 16; idem, “O revelim da Cidadela e a torre de Cascais II”, p. 10; idem, “O revelim da Cidadela e a torre de Cascais”, in Jornal da Costa do Sol, 97 (1966), p. 5; idem, “História de Cascais e do seu Concelho”, in Jornal da Costa do Sol, 262 (1969), p. 19.
[8] Idem, “O revelim da Cidadela e a torre de Cascais”, in Jornal da Costa do Sol, 53, p. 16.
[9] Manuel A. P. Lourenço, “História de Cascais e do seu concelho”, in A Nossa Terra, n.º 99, 1955, p. 2. Posteriormente, numa obra publicada em 1964, no âmbito das comemorações do VI centenário da vila de Cascais, o autor não fazia qualquer alusão à identificação da torre de Cascais, pelo que ainda não teria percebido que essa fortificação havia sido envolvida pela fortaleza de Nossa Senhora da Luz (cf. Manuel Acácio Pereira Lourenço, As fortalezas da costa marítima de Cascais, Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 1964, p. 11). Sobre o início das escavações, cf. Margarida de Magalhães RAMALHO, “A fortaleza de Nossa Senhora da Luz”, in Arquivo de Cascais. Boletim Cultural do Município, 10 (1991), p. 35.
[10] Já conhecida por Pedro Lourenço de Seixas Borges BARRUNCHO, op. cit., p. 79.
[11] M. A. Pereira LOURENÇO, “O revelim da Cidadela e a torre de Cascais”, p. 5.
[12] Sobre as escavações de 2005, cf. Nuno NETO et al., “Intervenção arqueológica na fortaleza de Nossa Senhora da Luz (Cascais). Contribuições para a sua análise evolutiva e estrutural”, in Património. Estudos, vol. 10, Lisboa, Instituto Português do Património Arquitectónico, 2007, pp. 185-197.
[13] Margarida de Magalhães RAMALHO, “As fortificações marítimas do porto […]”, p. 50.
[15] Apesar de alguns aspectos controversos e críticas que se possam apontar a Manuel A. P. Lourenço, que muito raramente usava notas de rodapé para fundamentar as suas informações, até porque escrevia, sobretudo, nos jornais locais, é óbvio que não se pode tirar este e outros méritos de investigação ao autor.
[16] “Passou recentemente um documentário sobre a primitiva “Torre de Cascais” mandada erigir por D. João II, o “Príncipe Perfeito”, que herdando apenas as estradas de um pobre reino, localizado na periferia da Europa, com apenas 1.700.000 habitantes, soube transformá-lo num império. Da autoria da Dr.ª Margarida Ramalho, o documentário intitulado “Stº. António de Cascais e a Torre Perdida”, de excelente qualidade, mostra-nos as investigações que aquela historiadora tem ali realizado desde 1982, bem como o trabalho mais recentes de outros investigadores. Conhecemos o interior daquela fortaleza desde 1965, numa noite, em que acompanhei uma equipa do Jornal da Costa do Sol, em que o meu pai era o repórter fotográfico e o guia o historiador Manuel Lourenço, que desde os anos 40 estudava aquela fortificação. Lembro-me como se fosse hoje todos os passos que demos no seu interior. Numa sala, localizada no canto do pátio, estava uma grande imagem de St.º António, de gesso, por detrás uma parede onde, recentemente, fora aberto um buraco. No seu interior um recanto húmido, onde escorria água das paredes e as estalactites caíam de um alto tecto. Uma grade de ferro, de uma antiga porta de prisão deixada encostada, recordava os últimos presos Liberais ali encarcerados durante o reinado de D. Miguel. Para quem queira saber mais sobre a história da fortaleza e dos estudos que Manuel Lourenço fez basta consultar o Jornal a Costa do Sol: Manuel Acácio Pereira Lourenço: “O Revelim da Cidadela e a Torre de Cascais I, II e III”, Jornal da Costa do Sol, Cascais, nº 53, 24/4/1965; nº 55, 8/5/1965; nº 97, 26/2/1966. “Aspectos de Cascais Antes e Depois do Ano de 1580 a Posição Estratégica e as Fortificações”, Jornal da Costa do Sol, Cascais, nº 262, 26/5/1969” (https://www.facebook.com/photo.php?fbid=527139110637043&set=o.468302963181739&type=1&permPage=1, consultado em 30/12/2012).
[18] Data que tem sido avançada, sobretudo, por Margarida Magalhães RAMALHO, “A torre de Cascais. Uma perspectiva arqueológica”, in Arquivo de Cascais. Boletim Cultural do Município, 7 (1988), p. 69; idem, “A barra do Tejo e a defesa de Lisboa”, in Oceanos, 11 (1992), p. 71; idem, Fortificações marítimas, p. 25; idem, “A defesa de Cascais”, p. 36; idem, “A defesa de Cascais. Do castelo medieval à construção da Cidadela”, p. 640. Todavia, numa obra publicada em 2001, a autora também chegou a admitir que a torre havia sido mandada levantar em 1488, sendo que apenas seis anos mais tarde teriam começado as obras, terminando já no reinado de D. Manuel I. Contudo, Margarida Magalhães Ramalho confundiu o ano de 1488 como sendo alusivo ao trecho de Garcia de Resende que refere a construção da torre (cf. idem, “As fortificações marítimas do porto […]”, p. 28).
[19] Garcia de RESENDE, Crónica de D. João II e Miscelânea. Pref. de Joaquim Veríssimo Serrão, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1973, cap. LXX, pp. 102-103.
[21] Entre os investigadores mais antigos, cf. Afonso do PAÇO e Fausto J. A. de FIGUEIREDO, op. cit., p. 19; Manuel Acácio Pereira LOURENÇO, As fortalezas da costa marítima de Cascais, Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 1964, p. 11; idem, “História de Cascais e do seu concelho”, p. 19; Ferreira de ANDRADE (dir.), Monografia de Cascais, Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 1969, p. 258; Carlos Pereira CALLIXTO, “A Praça de Cascais e as Fortificações suas dependentes”, in Revista Militar, 5 (1978), p. 329.
[22] Cf. Pedro de Aboim Inglez CID, A torre de S. Sebastião de Caparica e a arquitectura militar do tempo de D. João II, Lisboa, Edições Colibri, 2007, pp. 160 e 167 (n. 77). Como datas alternativas para os testes balísticos de Setúbal, o investigador aponta o Verão de 1484 ou o Outono de 1488 (cf. idem, ibidem, p. 149 e n. 16).
[23] Joaquim M. F. BOIÇA, “Cascais no sistema defensivo do porto de Lisboa”, in Monumentos. Cidades. Património. Reabilitação, 31, p. 30.
[24] Margarida de Magalhães RAMALHO, “As fortificações marítimas do porto […]”, 50.
[26] “Como o comprovam duas moedas deste período encontradas na última escavação realizada, em 2005 […]” Cf. Margarida de Magalhães RAMALHO, “A defesa de Cascais”, pp. 36 e 45 (n. 11); idem, “A defesa de Cascais. Do castelo medieval à construção da Cidadela”, pp. 640 e 644 (n. 7). No documentário sobre a torre de Cascais a cronologia de construção apontada é a mesma (1488-1498).
[27] Estranha-se, ainda, que Margarida de Magalhães Ramalho, nos seus dois últimos estudos referidos, não cite o estudo de 2007 resultante dos trabalhos arqueológicos levados a cabo na fortaleza de Nossa Senhora da Luz entre Outubro de 2004 e Abril de 2005, o qual não apresenta qualquer referência a supostas moedas de 1498 ou a outras do reinado de D. Manuel I, sendo este um estudo em que a própria investigadora participou como co-autora (vide supra, n. 12).
[28] No entanto, o conhecido “bazaruco” de 1532, moeda indo-portuguesa, parece ser o exemplar mais antigo da numismática portuguesa que ostenta data (cf. J. FRONTEIRA, “Um «soldo» de D. João III?”, in NVMMVS. Boletim da Sociedade Portuguesa de Numismática, IV: 13-14 (1956-1957), pp. 130-131.
[29] Pedro de Aboim Inglez CID, op. cit., pp. 160-161 e 281-283.
[30] Reynaldo dos SANTOS, A torre de Belém 1514–1520. Estudo histórico e arqueológico, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1922, pp. 9, 32, 34-35, 40-41, 44-46 e 58.
[31] ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 13, fl. 49v.
[32] Cf. Marco Oliveira BORGES, “A torre defensiva que D. João II mandou construir em Cascais […]”, pp. 106 e 114.
[33] Para um apanhado documentado e problematização dos ataques corsários em Cascais no reinado de D. João II, cf. Marco Oliveira BORGES, O porto de Cascais durante a Expansão Quatrocentista. Apoio à navegação e defesa costeira. Dissertação de Mestrado em História Marítima, Universidade de Lisboa, 2012, pp. 170-174 e 201-205.
[34] António José Pereira da COSTA, Cidadela de Cascais (pedras, homens e armas). Pref. de Rui Carita, Lisboa, Estado-Maior do Exército/Direcção de Documentação e História Militar, 2003, p. 23.
[35] Joaquim M. F. BOIÇA, op. cit., p. 24; Marco Oliveira BORGES, op. cit., pp. 61-62.
[36] O documento é de 25 de Julho de 1524 (ANTT, CC, pt. I, mç. 31, doc. 40; Pedro de AZEVEDO, “Uma esquadra de Carlos V no porto de Cascaes em 1542”, in Revista de História, 4 (1912), pp. 246-248).
[38] Jaime D’Oliveira Lobo e SILVA, Anais da vila da Ericeira. Registo cronológico de acontecimentos referentes à mesma vila, desde 1229 até 1943. 3.ª ed., Mafra, Câmara Municipal de Mafra, 2002, p. 24.
[39] Outro sismo terá ocorrido em 1500 (cf. Marisa COSTA e João F. B. D. FONSECA, “Sismicidade histórica em Portugal no período medieval”, in Sísmica 2007 – 7.º Congresso de Sismologia e Engenharia Sísmica, Porto, 2007, p. 6). Sobre os sismos de 1504-1505, cf. M. de LA CLEDE, Histoire Generale de Portugal, t. I, Paris, Chez Guillaume Cavelier, 1735, p. 578; Victor João de Sousa MOREIRA, Sismicidade Histórica de Portugal Continental. Sep. da Revista do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica (1984), p. 15; Luís Mendes VICTOR, “A sismologia e a dinâmica planetária”, in Prevenção e protecção das construções contra riscos sísmicos, Lisboa, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, 2005, pp. 27 e 29-30; Marisa COSTA e João F. B. D. FONSECA, op. cit., p. 6.
[40] Marco Oliveira BORGES, op. cit., pp. 193-194. Esta hipótese surgiu do seguimento da pista deixada por Manuel A. P. Lourenço de que os sismos deverão ter atingido duramente Cascais (cf. Manuel A. P. LOURENÇO, “História de Cascais e do seu concelho”, in A Nossa Terra, 128 (1956) pp. 2 e 7).