
Em 2008, durante obras de recuperação do castelo de Sines, foi descoberta uma estela epigrafada em árabe. Tal aconteceu durante a abertura do acesso dessa fortificação ao actual edifício de recepção aos visitantes. A descoberta é de enorme importância para a história desta cidade portuária, até porque durante muito tempo foi dito que o local não tinha nada do tempo de ocupação muçulmana. Crê-se que esta estela poderá ser a pedra fundacional de uma rábita construída em 1009. Este tipo de edifícios tinham funções religiosas, mas também de vigilância e de defesa do território.
Já em 2017, no âmbito de participação num colóquio de História de Sines, tivemos a oportunidade de visitar o museu arqueológico local e de ver a estela epigrafada. Desde essa altura que estávamos para escrever um texto sobre o assunto, contando ajudar a divulgar esta magnífica descoberta, embora tenhamos ficado pela elaboração de um texto geral sobre a referida visita e o acontecimento do colóquio (https://tinyurl.com/ydzyxfxh). Nessa altura, devido à fraca qualidade das fotografias tiradas à estela, mal se vendo a inscrição árabe, optou-se por não se colocar no post publicado neste blog. Embora o seu estudo ainda não esteja finalizado, eis a leitura provisória que Ana Labarta fez da epígrafe árabe:
“[… esta] rábida para que seja mencionado (o nome de Deus), se Deus quiser. E isso (foi) no mês de / Ramadão do ano 399 […] / Deus […] / […]”.

O ano 399 da Hégira corresponde a 1009. A parte final da epígrafe é de cariz religioso, mas ainda não foi revelada.
Apesar do negacionismo que andou associado à presença islâmica em Sines, Cláudio Torres já havia colocado a hipótese de que Sines poderia corresponder à antiga cidade portuária muçulmana de Marsa Hashim, a qual é mencionada por al-Himyari, autor do século XIII que se baseou em escritos mais antigos. Marsa, em árabe, significa porto, enquanto que Sines/Hashim deriva do latim sinus, baía. Ora, Sines localiza-se numa baía protegida, oferecendo um bom local de ancoradouro.

O exemplo de Sines é bastante importante e deve ser visto em paralelo com outras áreas portuárias, caso de Sintra e Cascais, sendo que relativamente a Sintra foi detectada uma estrutura muçulmana, mais concretamente no Alto da Vigia, que tem sido apresentada pelos arqueólogos locais como sendo um ribat. A primeira estrutura deste tipo a ser detectada no actual território português foi na Arrifana, concelho de Aljezur. Num texto publicado há poucas horas atrás, abordando Sines durante o período islâmico, o arqueólogo Santiago Macias pôs precisamente em paralelo estas descobertas.
Marco Oliveira Borges | 2020
Bibliografia: Cláudio Torres, “O Garb al-Andaluz”, in José Mattoso (dir.), História de Portugal, vol. I, [s.l.], Editorial Estampa, 1997, pp. 353-354; Paula Pereira e Sandra Patrício, Sines, a Terra e o Mar, Sines, Câmara Municipal de Sines, 2017, pp. 55-56; Marco Oliveira Borges, “A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema defensivo: o caso de Sintra (Portugal) durante o Período Islâmico”, Anuario de Historia Regional y de las Fronteras, vol. 22, n.º 2, Bucamaranga, 2017, pp. 17-48; Santiago Macias, “Sines – ali não há nada do período islâmico…”, Diário do Alentejo, 27/06/2020; http://www.sines.pt/pages/396?news_id=714 (consultado a 27/06/2020).