Marégrafo de Cascais

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Marégrafo de Cascais. Fotografia: Marco Oliveira Borges (2011).

Adquirido a 23 de Março de 1877, pela Direcção-Geral dos Trabalhos Geodésicos, Topográficos, Hidrográficos e Geológicos do Reino, pela quantia de 2.519 francos franceses a uma oficina de Paris, credenciada pela qualidade tecnológica dos seus relógios horizontais ou de edifício, o Marégrafo de Cascais (ou de Borrel) havia de ser instalado somente dois anos depois, no passeio D. Maria Pia, junto ao forte da Cidadela[1]. Após a sua instalação seguiu-se uma fase de montagem, construção da casa abrigo, para além da realização de variados testes, pelo que só veio a iniciar o seu funcionamento regular em 1882. Por esta altura, apenas três locais detinham semelhante equipamento: Brest (França), Aberdeen (Escócia) e Hoek Van Holland (Holanda).

A necessidade de aquisição deste marégrafo – da autoria do francês Amédée-Philippe Borrel (1818-1887) – obedece à lógica da conjuntura internacional da época, onde o desenvolvimento do conhecimento científico era uma constante. No caso português, surgiu da urgência de registar as alturas do nível do mar fora da barra de Lisboa e de definir o zero altimétrico para Portugal continental, necessário para a navegação e para os trabalhos de cartografia e hidrografia que se pretendiam realizar sobre portos e rios portugueses, sendo que a localização privilegiada da enseada de Cascais ditou o local escolhido para a sua colocação. Note-se que, até então, o nível do mar era medido através de marémetros ou réguas de maré, feitos de madeira ou de metal, mas que uma vez baseados na observação directa não permitiam um registo contínuo de dados. Todavia, face a problemas de funcionalidade verificados com o assoreamento no poço que fazia parte da estrutura inicial, e que não permitia a obtenção de dados fiáveis, o Marégrafo de Cascais veio a ser deslocado mais para Sul, a 50 metros de distância da primitiva instalação, onde se construiu uma nova casa abrigo e onde se encontra na actualidade (na área adjacente ao Clube Naval de Cascais, junto à Marina local), vindo apenas a iniciar actividade a 28 de Maio de 1895.

Fazendo o registo diário da evolução das marés e das correntes, este é o primeiro marégrafo analógico a surgir em Portugal – o de Lagos só iniciaria actividade em 1908 – e o único que ainda se encontra em actividade. Este mecanismo funciona com uma boía colocada num poço, em contacto directo com o mar, e cujo movimento é transmitido por um sistema de cabos e roldanas ligados a uma caneta que faz o registo das variações do nível da água numa folha de papel quadriculada, envolvida num tambor rotativo. Com efeito, essa caneta regista a amplitude consoante o movimento da maré, construindo assim um gráfico designado por maregrama. O marégrafo tem uma autonomia de quatro dias e a cada 24 horas o tambor dá uma volta completa, registando assim duas preia-mares e duas baixa-mares.

Há mais de 120 anos que os seus registos são enviados regularmente para o serviço internacional Permanent Service for Mean Sea Level (Reino Unido), organismo que disponibiliza, numa base de dados à escala mundial, estes e outros registos similares, utilizados em diversos programas científicos. De acordo com os dados obtidos entre 1882 e 2000, a tendência foi para uma subida do nível médio das águas do mar nesta região na ordem dos 1.3 mm/ano, cerca de 15 cm no total. Para além disso, é de salientar que o Marégrafo de Cascais veio a definir a referência do Datum Altimétrico, Zero Cartográfico, para o território continental através do cálculo da média dos níveis médios do mar realizado entre 1882 e 1938, tendo por denominação “Cascais, Helmert 1938”.

A 31 de Dezembro de 1997, foi classificado imovél de interesse público. Na actualidade, encontra-se sob tutela do Instituto Geográfico Português, entidade responsável pela recolha de informação dos valores do nível médio do mar e pela determinação do Datum Altimétrico Nacional. Embora exista, desde 2003, um marégrafo acústico e digital instalado na Marina de Cascais, mais preciso e sofisticado, o antigo marégrafo continua activo, sendo que em finais de 2005 o Instituto Geográfico Português celebrou um protocolo com a Câmara Municipal de Cascais visando a sua conservação e divulgação. Assim, o Marégrafo de Cascais passou a integrar o roteiro histórico desta vila associado à obra cientifica do rei D. Carlos, estando aberto ao público mediante marcação de visita.

Marco Oliveira Borges | 2020

Bibliografia: Marégrafo de Cascais, 1882, [s.l.], Instituto Geográfico Português, Março de 2007; Marégrafo de Cascais. Um Instrumento Centenário de Amédée-Philippe Borrel – 1877, [s.l.], Instituto Geográfico Português, 2009.

[1] Texto adaptado de Marco Oliveira Borges, “Marégrafo de Cascais”, in Dicionário de História Marítima, 2011 (em trânsito para uma nova plataforma online).

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