
Em séculos passados existiram inúmeros postos de vigia e de alerta dispersos ao longo da costa portuguesa, tendo sido edificados em locais conspícuos e estratégicos[1]. Revelados pelo estudo da microtoponímia, pelas fontes históricas ou pelos trabalhos arqueológicos, eram conhecidos por atalaias[2], almenaras, fachos, visos ou velas, comunicando entre si através de sinos, fogos, fumos e de outros sinais. Integrando sistemas de defesa costeira que visavam identificar a aproximação de eventuais navios de corsários e de piratas, entravam em actividade sobretudo durante o Verão. Contudo, em tempo de guerra ou de constante assédio marítimo exercido por corsários, chegava a ser ordenado pelos monarcas que a vigilância fosse feita durante o ano inteiro, algo que chegou a acontecer, por exemplo, a partir de 1615. Outros espaços territoriais fora das áreas marítimas também estiveram dotados destas estruturas, sendo que o seu estudo, de uma forma geral, é fundamental para compreender as redes de povoamento em séculos passados.
Edificada num cabeço situado acima da Boca do Inferno, dominando largamente a vista oceânica, sobretudo para Sul, permitindo vislumbrar a serra da Arrábida, o cabo Espichel, a entrada da barra do Tejo mas também os navios que vinham das bandas do cabo Raso, a Vigia do Facho é o único posto antigo de observação marítima que subsistiu na costa ocidental de Cascais. Sabe-se que mais duas edificações deste género existiram no espaço costeiro que se estende daí até ao cabo da Roca[3], havendo ainda a possibilidade de ter existido um posto de vigia ou de apoio à navegação no Espigão das Ruivas (Sintra), sítio arqueológico ladeado pelo porto do Touro (Cascais), se bem que este seja um assunto ainda por compreender[4]. Em todo o caso, à semelhança da Vigia do Facho, é muito provável que outros postos de vigia devam ter existido em tempos recuados, marcando a paisagem cultural marítima de Cascais, inclusive durante o Período Islâmico, podendo os vestígios das ruínas de antigas estruturas estar tapados pelas areias e pela vegetação[5]. Aliás, para o caso da costa oriental de Cascais é conhecida a vigia da Parede, tendo funcionado pelo menos em séculos mais recentes. De qualquer forma, é possível que um dia a arqueologia venha a revelar novos dados sobre este tipo de edificações de vigilância outrora erguidas na costa de Cascais, tal como aconteceu recentemente no caso de Sintra, tendo sido identificada uma vigia no sítio conhecido por Alto da Vigia[6].

Cabo da Roca até Cezimbra […], 1882 (BNP).
De planta quadrangular, com um único compartimento, abobadado, que serviria para alojamento e armazém, a Vigia do Facho é uma torre que se encontra bem preservada, situação para a qual contribuíram reconstruções que se deram ao longo do tempo[7]. O facto de estar dentro de uma propriedade privada, estando assim protegida de acções antrópicas e de actos de vandalismo, também ajudou a preservar a edificação. Refira-se, ainda, que a mesma está dotada de uma escada exterior, em pedra, que permite o acesso a um pequeno terraço lajeado de onde o vigia de serviço observava o horizonte[8]. Na parede do lado poente foi colocado um suporte para o sino de alarme, permitindo alertar as proximidades assim que se avistassem navios inimigos ou suspeitos.


Não é possível determinar a época de fundação da Vigia do Facho, sendo que o primeiro registo documental que atesta a sua existência data de 1805, ano em que tinha ao seu serviço um cabo e um soldado[9]. No entanto, não é de excluir a hipótese de ter existido nesse mesmo local, ou nas imediações, uma outra construção mais antiga e da qual não subsistiram vestígios[10]. Pela posição estratégica do sítio, não é nada de admirar que a estrutura primitiva remontasse a épocas muito mais recuadas, tendo sofrido recuperações ao longo do tempo, à semelhança do que aconteceu, por exemplo, em diversos casos da costa algarvia em que se ocuparam locais estratégicos e em que edificações foram sendo reutilizadas e readaptadas em larga diacronia[11]. À falta de documentos, somente futuros trabalhos arqueológicos em redor da Vigia do Facho poderiam ajudar a determinar a possível época da sua construção.

Marco Oliveira Borges | 2017
[1] Este pequeno artigo de divulgação histórica, embora com ligeiras modificações e acrescentos, foi adaptado de um estudo mais alargado: Marco Oliveira BORGES, “Aspectos de militarização e defesa costeira no Garb al-Ândalus: o caso de Cascais”, in Revista Universitaria de Historia Militar, 6: 11 (2017), pp. 172-196. Disponível para consulta e descarregamento gratuito em https://www.academia.edu/33551518/Aspectos_de_militariza%C3%A7%C3%A3o_e_defesa_costeira_no_Garb_al-%C3%82ndalus_o_caso_de_Cascais_2017_.
[2] As atalaias podiam ser estruturas arquitectónicas (normalmente turriformes) em pedra ou madeira, ou simples locais destacados na paisagem de onde se exercia a vigilância e alertava para a chegada de inimigos (cf. Mário BARROCA, “Atalaia”, in Jorge de ALARCÃO e Mário BARROCA (coord.), Dicionário de Arqueologia Portuguesa, Porto, Figueirinhas, 2012, pp. 48-49).
[3] As outras duas estavam, uma junto ao cabo da Roca, a outra na elevação dos Oitavos (cf. Joaquim Manuel Ferreira BOIÇA e Maria de Fátima Rombouts de BARROS, “As fortificações marítimas a Ocidente de Cascais”, in Joaquim Manuel Ferreira BOIÇA, Maria de Fátima Rombouts de BARROS e Margarida de Magalhães RAMALHO, As fortificações marítimas da costa de Cascais, Lisboa, Quetzal, 2001, p. 162).
[4] Para uma problematização deste assunto e indicação de bibliografia, cf. Marco Oliveira BORGES, “A importância do porto do Touro e do sítio arqueológico do Espigão das Ruivas (Cascais) entre a Idade do Ferro e a Idade Moderna”, in História. Revista da FLUP, IV: 6 (2016), pp. 161-182; idem, “O porto do Touro (Cascais) e o sítio arqueológico do Espigão das Ruivas (Sintra) entre a Antiguidade e a Idade Moderna”, in Sintra e Cascais. Mar, Terra, História, 2017, https://sintraecascais.wordpress.com/2017/01/13/o-porto-do-touro-cascais-e-o-sitio-arqueologico-do-espigao-das-ruivas-sintra-entre-a-antiguidade-e-a-idade-moderna/, consultada em 18/06/2017; idem, “Aspectos de militarização e defesa costeira no Garb al-Ândalus […]”, pp. 181-182; idem, “A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema defensivo: o caso de Sintra (Portugal) durante o Período Islâmico”, in Anuario de Historia Regional y de las Fronteras, 22: 2 (2017), p. 38; idem, “Paisagem cultural marítima de Sintra: uma abordagem histórico-arqueológica”, in Actas do I Colóquio Ibérico de Paisagem. O estudo e a construção da Paisagem como problema metodológico (no prelo).
[5] Idem, “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante o Garb al-Ândalus. I – Em torno do porto de Colares”, in História. Revista da FLUP, IV: 2 (2012), pp. 114 (n. 27) e 127; idem, “A defesa costeira do litoral de Sintra-Cascais durante a Época Islâmica. II – Em torno do porto de Cascais”, in Ana CUNHA, Olímpia PINTO e Raquel de Oliveira MARTINS (coord.), Paisagens e Poderes no Medievo Ibérico. Actas do I Encontro Ibérico de Jovens Investigadores em História Medieval. Arqueologia, História e Património, Braga, Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória», Universidade do Minho, 2014, p. 415.
[6] Até recentemente foi interpretada pelos arqueólogos como sendo a torre de um facho. No entanto, actualmente é vista apenas como um antigo posto de vigia e de abrigo permanente, sendo uma edificação mais simples (cf. Patrícia JORDÃO, Pedro MENDES e Alexandre GONÇALVES, Alto da Vigia (Colares, Sintra). Relatório dos Trabalhos Arqueológicos [de 2008], 2009, p. 3; Alexandre Marques GONÇALVES, Alto da Vigia (Colares, Sintra). Relatório dos trabalhos arqueológicos de 2013, 2014, pp. 11-12; idem, Escavação arqueológica do Alto da Vigia (Colares-Sintra): relatório da intervenção realizada em 2015, 2016, p. 10; José Cardim RIBEIRO, “Ad Antiquitates Vestigandas. Destinos e itinerários antiquaristas nos campos olisiponenses ocidentais desde inícios a meados do século XVI”, in Gerard González Germain (coord.), Peregrinationes ad inscriptiones colligendas. Estudios sobre epigrafía de tradición manuscrita, Bellaterra, Universitat Autònoma de Barcelona, 2016, p. 140, n. 4 e 5; Marco Oliveira BORGES, “A importância estratégica do conhecimento do território na formação de um sistema defensivo […]”, p. 27).
[7] Carlos CALLIXTO, Fortificações da praça de Cascais a Ocidente da vila, Lisboa, 1980, p. 154.
[8] Idem, ibidem, p. 154; Joaquim Manuel Ferreira BOIÇA e Maria de Fátima Rombouts de BARROS, op. cit., p. 162.
[9] Carlos CALLIXTO, op. cit., p. 154; Joaquim Manuel Ferreira BOIÇA e Maria de Fátima Rombouts de BARROS, op. cit., p. 162.
[10] Idem, ibidem, p. 162.
[11] Cf. Helena CATARINO, “Fortificações do Período Islâmico e a defesa marítima e fluvial no Algarve Oriental”, in Maria Graça A. Mateus VENTURA (coord.), O Mediterrâneo Ocidental. Identidades e fronteira, Lisboa, Edições Colibri, 2002, pp. 119-141.
Muito obrigado por divulgar estas matérias.
No reinado de D. Sebastião foram tomadas, entre outras, e para a vigilância da costa, duas importantes medidas: a construção das atalaias e os vigias a cavalo. As primeiras em costas mais povoadas e as segundas para os troços de costa completamente despovoados.
Além das vigias para poente de Cascais havia também a vigia da Parede (muitas vezes designada como mirante). É possível ver os seus desenhos de restauro no Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar, no Campo de Santa Clara, em Lisboa.
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Muito obrigado pelas suas indicações, que serão muito proveitosas. Tinha-me esquecido da vigia da Parede, que também vem referida na cartografia.
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